O PROCESSO DE KIMBERLEY – AHMED BIN SULAYEM

O PROCESSO DE KIMBERLEY – AHMED BIN SULAYEM

Uma Verificação da Realidade sobre o Seu Papel, Forças e o Futuro do Comércio Ético de Diamantes
Bin Su — PRESIDENTE

Nas últimas semanas, discussões sobre o Processo de Kimberley (PK) voltaram à tona, alimentadas por argumentos emocionais, interpretações seletivas de dados, expectativas irreais e talvez até por tentativas de obter ganhos financeiros. Uma análise forense feita por Budhai e Kumar (2025) identificou discrepâncias de preços, anomalias comerciais e brechas financeiras na indústria de diamantes, levantando preocupações válidas. No entanto, alguns críticos atribuíram incorretamente essas irregularidades financeiras ao próprio PK, deturpando seu papel e propósito.

Vamos deixar claro: o Processo de Kimberley nunca foi criado para ser um fiscal financeiro global, uma agência contra lavagem de dinheiro ou um mecanismo de aplicação tributária. Esperar que o PK resolva desafios que estão fora de sua jurisdição é tão ilógico quanto culpar a Interpol por não regulamentar a fraude fiscal corporativa.

Mesmo assim, o debate em torno do PK tem tomado um tom emocional, especialmente em afirmações de que ele é “uma grande operação de maquiagem ecológica” ou que “certifica diamantes de sangue como legítimos”. Essas declarações são falsas e enganosas. Elas não contribuem para os interesses das partes responsáveis que realmente desejam uma reforma.

O PK continua sendo a principal iniciativa global para impedir que diamantes financiem conflitos armados, e seu impacto pode ser medido. Porém, é urgente separar o que está dentro da responsabilidade do PK daquilo que deve ser tratado por reguladores financeiros, autoridades alfandegárias e iniciativas do sector.

O Processo de Kimberley: O que é e o que não é

O Esquema de Certificação do Processo de Kimberley (KPCS) foi criado com um objetivo específico: impedir o comércio de diamantes que financiem movimentos rebeldes que queiram derrubar governos legítimos. Desde sua criação, em 2003, o PK:
• Reduziu os diamantes de conflito de cerca de 15% do comércio global nos anos 1990 para menos de 1% atualmente;
• Criou o primeiro sistema global de rastreamento de diamantes brutos, garantindo que os países participantes sigam padrões mínimos de certificação;
• Uniu governos, indústria e sociedade civil em uma estrutura de cooperação inédita.

No entanto, alguns críticos julgam o PK por padrões que ele nunca teve a intenção de atender. Relatórios recentes culpam o PK por variações de preços, brechas tributárias e práticas de subfaturamento, questões que estão além do seu escopo.

Vamos ser diretos: o PK rastreia quilates, não transações financeiras. Problemas como subfaturamento comercial, evasão fiscal e fluxos ilícitos de dinheiro são reais e merecem atenção, mas devem ser resolvidos pelas instituições corretas, sem distorcer o papel do PK.

Interpretação Errada dos Números: A Lógica Falha das Críticas

A Diferença no Valor do Comércio — Uma Realidade Econômica Mal Interpretada.

Críticos afirmam que os diamantes importados para centros comerciais têm valor por quilate muito inferior ao valor de exportação posterior, sugerindo possível desvio de lucros ou subvalorização na origem.

Mas vejamos com lógica: essa dinâmica também acontece em outros mercados globais de commodities. Seja em ouro, café ou petróleo bruto, os países produtores geralmente exportam matéria-prima a preços mais baixos, e os preços aumentam nos centros comerciais devido a ajustes de valor, reclassificação ou otimizações fiscais.

O PK não foi criado para regular políticas tributárias ou preços de mercado. Essas questões precisam de fiscalização alfandegária, regras da OCDE e estruturas rígidas de conformidade contra lavagem de dinheiro, não de um sistema de certificação voltado para prevenir conflitos.

Dubai, por exemplo, é um centro de comércio livre. Diamantes podem ser avaliados de forma diferente de acordo com as condições de mercado, demanda e estratégias de precificação. Isso não significa que há algo errado automaticamente.

O “Desaparecimento” nas Maurícias — Uma Visão Incompleta

Relatórios mostram que as Maurícias importaram 400 milhões de dólares em diamantes entre 2018 e 2023, mas exportaram apenas 2%. Isso gerou especulações sobre estoques ocultos ou lavagem de dinheiro no comércio. Mas o que está faltando nessa análise?

Armazenar diamantes em centros comerciais é uma prática comum. Muitas vezes eles são mantidos como investimento antes de serem revendidos.

Nenhuma prova foi apresentada de que esses diamantes voltaram ao mercado ilegalmente. Dizer que o PK deveria monitorar estoques dentro do país atribui a ele uma função de fiscalização que nunca fez parte de sua criação.

O foco deve estar na fiscalização aduaneira e em regulações financeiras, não em transformar o PK em algo que ele não é.

O “Excedente de Exportação” do Zimbábue — Falta de Contexto

Em 2019, as exportações de diamantes do Zimbábue superaram os números oficiais de produção, levantando suspeitas de que diamantes ilegais teriam sido “lavados” para parecerem legais. Contudo:

• A venda de estoques acumulados é uma explicação legítima. Países guardam diamantes de anos anteriores e os vendem quando o mercado está favorável;
• Relatórios de produção nem sempre seguem uma linha contínua. Atrasos nos registros e mudanças nas políticas de liberação de estoque causam distorções estatísticas.

Isso não necessariamente indica corrupção. O que se precisa é de mais transparência nos relatórios de produção e maior fiscalização alfandegária.

Onde Devemos Focar: Reformas Reais, Não Críticas Mal Direcionadas

O que deve acontecer: Fortalecer a Governança sem Invalidar o Processo de Kimberley

O relatório de Budhai e Kumar mostra pontos importantes, mas a sugestão deles de expandir o escopo do PK para incluir questões como precificação, crimes financeiros e controle de estoques demonstra um mal-entendido sobre o propósito do PK. O que deve ser feito:

• Maior supervisão financeira pelas entidades certas, como a OCDE e o GAFI;
• Aplicação rigorosa das leis contra lavagem de dinheiro nos grandes centros comerciais;
• Controles mais rígidos de avaliação nos pontos de exportação para evitar subvalorização;
• Regulação eficaz de zonas francas e incentivos fiscais, para que não estimulem práticas antiéticas;
• Rastreabilidade conduzida pela própria indústria, com uso de blockchain e auditorias independentes;
• Fortalecimento de iniciativas como o Conselho de Diamantes Naturais (NDC) e o Conselho de Joalheria Responsável (RJC), para garantir ética na cadeia de fornecimento.

O Futuro do Processo de Kimberley: Evolução com Propósito

O Processo de Kimberley não é estático. Ele já evoluiu e continuará evoluindo. Mas essa evolução precisa ser baseada em melhorias práticas e fundamentadas, e não em exigências fantasiosas para que se transforme em um órgão de fiscalização financeira.

O que o PK está fazendo agora:

• Revisando a definição de “diamantes de conflito”, para incluir novos tipos de risco
• Estudando novas tecnologias como certificações via blockchain para mais transparência
• Trabalhando em conjunto com governos, setor privado e sociedade civil para melhorar a governança complementar.

Um Apelo ao Diálogo Responsável

Críticas são importantes para aperfeiçoar estruturas internacionais. Mas reformas reais precisam se basear em fatos, não em discursos emocionais.

O Processo de Kimberley continua sendo uma iniciativa global essencial. Não é perfeito, mas cumpre seu propósito. Em vez de culpar o PK por problemas que ele nunca teve a obrigação de resolver, é preciso fortalecer as instituições certas para os problemas certos.

– Prevenção de conflitos? O PK está fazendo a sua parte;
– Preços justos e tributação? Isso é responsabilidade dos órgãos fiscais e financeiros;
– Rastreabilidade e ética no fornecimento? A indústria de diamantes deve liderar esse processo.

O Processo de Kimberley sempre teve como missão impedir derramamento de sangue no comércio de diamantes. A verdadeira pergunta agora é se seus críticos estão dispostos a dialogar com responsabilidade e base em fatos — ou se continuarão distorcendo seu propósito para ganhar manchetes fáceis.